Curada do Covid-19, enfermeira Ana Andreia conta como enfrentou a doença

Conversa com César Santos

POR CÉSAR SANTOS 

De Fato

A enfermeira Ana Andreia de Oliveira Cunha, 47, viveu a experiência mais marcante de sua vida até aqui. Uma experiência de dor, medo, incerteza, mas, também, de fé em Deus e na vida. Ela foi infectada pelo novo coronavírus (Covid-19), travou luta pela vida e saiu curada do isolamento hospitalar.

Ana Andreia não sabe onde e como foi infectada. Não é fumante, nunca havia tido uma pneumonia. Seu histórico de saúde tinha a hipertensão e pré-diabetes. Mesmo assim, testou positivo para o Covid-19.

Coordenadora de enfermagem da Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do bairro Belo Horizonte, zona sul de Mossoró, e enfermeira do SAMU 192, Ana Andreia aceitou o convite do JORNAL DE FATO para narrar a sua luta contra o vírus e como saiu vitoriosa. “Digo que morri e Deus devolveu-me a vida”, afirma, emocionada.

Nesse “Cafezinho com César Santos” especial, realizado via WhatsApp, Ana Andreia diz que ainda sente medo, mas pede que as pessoas não tenham tanto medo de se aproximar daquelas que já tiveram a doença, pois não serão mais transmissoras do vírus.

 

Como foi enfrentar a doença sob o ponto de vista da saúde e do isolamento social?

A experiência não foi boa. Péssima. Eu soube do resultado da tomografia no dia 22 de março, como uma Pneumonia extensa e sugestivo para H1N1 e Covid-19. O mundo desabou. Entrei em pânico e desabei no choro. Para a saúde é tudo muito novo. Não se falava em covid-19. Prova essa que ainda estão estudando uma vacina, realizando o tratamento dos pacientes com medicações de tratamento de outras patologias, fazendo testes de transfusão de sangue, onde pedem doações de sangue de pacientes curados para infundir nos mais críticos. A medicina, enfermagem, endemias são categorias de profissionais da saúde não foram preparadas para receber a doença. Os treinamentos e plano de enfrentamento em toda parte do Brasil foram iniciados aos poucos quando da chegada da doença em cada estado.

 

Como foi diagnosticada a sua situação de saúde para o Covid-19?

Quando dei entrada no pronto-socorro da Hapvida/Mossoró eu não tinha a certeza do que era. Desconfiava de H1N1. Mas, havia descartado devido ao exame do Cacim (laboratório) ter dado negativo. Fazia uns cinco dias que estava sentido febre e mialgias, paladar amargo e olfato sem cheiro. Daí, fui pro isolamento e uma enfermeira anunciou que eu tinha que me internar, pois iria coletar o exame para fechar o diagnóstico. No isolamento só entrava ela, o médico e, algumas vezes, entrou minha irmã (Cristina Cunha), que não mediu esforços em querer ficar perto. Só que eu não queria, pois ela podia se contaminar e ser mais uma doente. Sempre que ela chegava pra entregar meus objetos eu pedia pra ela deixar e sair logo do quarto. Em Fortaleza, nos três primeiros dias me senti péssima, pois a equipe médica, enfermagem e fisioterapeuta entravam no quarto feito uns vendavais/trem bala. Não passava nem 2 ou 3minutos no quarto com medo de pegar. E isso me incomodou, mas entendia o medo deles. No entanto, eu entendia que eles não precisavam agir daquela forma, devido entrar no quarto todos paramentados com EPIs. Não tinha como pegar o vírus. No quarto dia em diante a equipe passou a ter outro comportamento e bem melhor. Estavam ficando mais tempo e já ofereciam algo mais, caso eu precisasse.

 

Qual foi o ponto mais crítico?

O mais crítico foi a caminho de Fortaleza, quando a médica pensou em me intubar. Mas, como eu respondia bem a máscara de venture, seguimos a viagem. E outro momento crítico foi no quarto dia, à noite, quando o cateter tipo óculos se desconectou do oxigênio e não deu tempo pegar a parte que havia caído ao lado. A grade da cama desce e prensa o látex (mangueira). Esse item ligava o oxigênio no painel até o cateter ligado ao meu nariz para fornecer oxigênio. Tentei três vezes puxar e não vinha. Aí fui me levantar e não consegui porque surgiu uma forte dor no vasto lateral da coxa direita. Uma dor, como se tivesse furando a coxa e saia rasgando a carne. Isso dava com ardência e queimação. Entrei em desespero, estava sentido a falta do oxigênio. Chamei a enfermeira, eles demoraram pouco mais de 12 minutos. Então, já estava desfazendo sem força e procurava oxigênio e não tinha. Falei: Pronto, vou morrer agora.

 

Como a senhora foi salva?

Apareceu uma profissional que entrou e já foi logo falando que eu tinha que ter calma. Sem muita força, mas consegui falar para ela que me ajudasse porque eu estava sem oxigênio. Ela questionou porque eu não me levantei, mas daí ela viu que a situação era delicada, correu, e foi logo pra lateral da cama, puxou a grade e pegou o látex e conectou. Fui melhorando aos poucos. Mas, confesso: minha vontade ali era de bater na moça pela falta de compreensão dela. Talvez, a profissional de enfermagem achou que eu estava chamando por algo banal.

 

Qual é o sintoma mais doloroso, que provoca maior sofrimento?

Nos primeiros cinco dias, eram febre, dores musculares (mialgia) e ausência do tato com o paladar. O mais doloroso eram as dores nos músculos do corpo.

 

A senhora chegou a temer pela vida em algum momento?

Sim. Nos momentos em que vinham tirar o sangue arterial. Exame chamado gasometria. E quando eu cheguei lá, a médica se apresentou e disse que eu era uma suspeita de coronavírus, que não iria aguardar o resultado do exame chegar. Iria iniciar o tratamento. De início seria com dois antibióticos, a medicação pro H1N1 e a do covid-19; umas seriam em comprimidos e outra injetável. A princípio achei que meu organismo não iria responder, pois havia uma lesão grande em meu pulmão.

 

A senhora é profissional de saúde, com trabalho diário entre profissionais e pacientes. Foi nesse ambiente que a senhora se contaminou?

Olha, não posso afirmar com muita propriedade, pois na UPA do Belo Horizonte não fico na assistência ao paciente. No Samu faço assistência de pacientes graves no pré-hospitalar e nas transferências destes de um hospital a outro. Não havia feito em momento algum, em meus plantões de fevereiro e até o último dia que trabalhei em março, atendimento a pacientes com histórico suspeito ou confirmado. O que me chamou a atenção foi que alguns colegas de trabalho que fizeram viagens para fora do país e outras cidades do Brasil, onde a doença já estava se instalando, não apresentaram sintomas da doença. Outros que viajaram no período de carnaval e chegaram bastante gripados no trabalho, também não foram diagnosticados.

 

As pessoas, em sua maioria, insistem em não aceitar o isolamento social. Como a senhora vê esse comportamento?

Vejo isso como um ato de irresponsabilidade brutal. Ainda tem pessoas que não acredita na existência do vírus, que é uma gripe qualquer. E outro comportamento que me chama a atenção é porque a população vendo o que estava acontecendo na China, e depois na Itália, continuou fazendo viagens de turismo para Europa, Japão, etc. Também vi pessoas de vários países visitando o Brasil, fazendo turismo em estados como no Rio Grande do Norte e o Ceará, pelas praias bonitas que temos.

 

A senhora ainda tem medo do vírus, de se infectar outra vez, apesar de não haver, ainda, uma comprovação científica sobre essa possibilidade?

Tenho medo, sim, de o vírus reincidir em meu organismo, pois não existe comprovação científica de que a pessoa fica totalmente imune, tendo relatos de pessoas na China de ter tido recaída. Há algumas linhas de pesquisa que mostra algo parecido devido o comportamento de alguns da população que adoeceram. Os cientistas estão unidos e estudando a todo vapor o vírus e os pacientes que adoeceram que se recuperaram e os que evoluíram a óbito.

 

A senhora conhece bem a estrutura do sistema de saúde pública. Essa estrutura vai suportar o pico da pandemia?

Conheço, sim. O sistema de saúde público do país é precário. No estado do Rio Grande do Norte, todos sabem dos problemas que existem por falta de profissionais médicos e da área de enfermagem. A atenção básica – que são os postos de saúde de bairros – precisam de uma injeção de investimentos em sua totalidade; os hospitais regionais necessitam de mais leitos de retaguarda e de UTIs, melhorias em suas estruturas físicas. Faltam os equipamentos de proteção individual (EPIs), exames, consultas e procedimentos de alta complexidade, cirurgias eletivas e leitos de UTIs. Como a estrutura não atende a toda população, as filas de espera são enormes. E, agora, com essa situação da pandemia gerou uma preocupação gigante para os gestores tanto a nível estadual, como local. Percebe-se que os gestores estão correndo atrás de mais recursos públicos na esfera federal para tentar amenizar a situação. Alguns empresários estão fazendo doações aos hospitais. Foram criados mais 20 leitos de UTIs no Hospital Regional Tarcísio Maia (HRTM) para atender aos pacientes acometidos por covid-19. A prefeita Rosalba Ciarlini e sua equipe técnica trabalham para deixar organizada uma das UPAs de Mossoró como referência em atendimento de usuários vítima por covid-19. Costumo dizer que a saúde é uma das pastas mais difíceis de se gerir. O volume de problemas diários é gigantesco.

 

Qual a lição que a senhora tira desse momento difícil pelo qual passou?

Grandes lições… Que foi preciso um vírus penetrar no meu pulmão, corrente sanguínea, causar um colapso no meu sistema imunológico e na minha vida, para eu me aproximar de Deus, valorizar cada coisa pequena ao meu redor. Digo que morri, e Deus com sua infinita misericórdia me deu uma nova oportunidade de vida. Renasci para iniciar uma nova etapa de vida. O vírus e o isolamento geraram muitos questionamentos. E me fizeram entender mais e mais sobre o amor e o perdão. A valorizar a família e todos ao redor. Mesmo estando sozinha, chorando dia e noite, me acalmava, chorava… Percebi que estava obtendo bons resultados em minha evolução. Havia ali comigo uma energia positiva do Espírito Santo de Deus, a presença em mente de Jesus e o amor de Nossa Senhora, amigos enviado mensagens de fortalecimento, então, eu tinha que me esforçar mais e mais para obter a vitória.

 

O que a senhora, diante de tudo que passou, tem a dizer para as pessoas nesse momento delicado, em que a pandemia do Covid-19 caminha para alcançar o pico?

Que as pessoas não saiam de suas casas, pois essas duas ou mais semanas representam o momento de pico da doença. Então, estando isoladas diminuem o pico de contaminação comunitária. Não importa qual a denominação religiosa (sou católica), mas que todos aproveitem a Semana Santa para uma grande reflexão. Rezem/Orem, jejuem. Vamos celebrar a Páscoa, que é a ressurreição de Cristo. Vida nova por assim dizer. A doença não é brincadeira, ela está em nosso meio. O público-alvo mais atingindo é a polução idosa e os que têm comorbidade, portanto, vamos ter muito cuidado. NÃO SAIAM DE SUAS CASAS.

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