Covaxin: Bolsonaro mandou PF investigar ou mandou parar investigação?

A CPI da Covid precisa prestar atenção à cronologia revelada pelo deputado Luis Miranda (e também ao real papel do deputado na história)

Ao revelar que o deputado Luis Miranda alertou diretamente Jair Bolsonaro sobre irregularidades cabeludas na compra da Covaxin, antes de o contrato de 1,6 bilhão de reais ser assinado pelo Ministério da Saúde com o laboratório indiano produtor da vacina, o repórter Diego Amorim pode ter aberto uma caixa de Pandora para Jair Bolsonaro. De acordo com o deputado, ele alertou o presidente sobre o problema em janeiro e em março.

Como o contrato foi assinado em 25 de fevereiro, mesmo com a denúncia feita em janeiro pelo deputado — irmão de um servidor do Ministério da Saúde que já havia emitido o alerta e estava sendo supostamente perseguido por isso (chegou a ser exonerado) –, o presidente da República pode ter cometido, no mínimo, prevaricação. O Código Penal define prevaricação como “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. O fiapo ao qual os bolsonaristas vão se apegar para tentar salvar a imagem do “Mito” incorruptível é que o Ministério da Saúde afirma que o pagamento por 20 milhões de doses, compradas por um preço 1.000% maior, ainda não foi feito ao laboratório indiano. Mas isso não elimina o fato de que o contrato foi efetivamente assinado.

Ao ser avisado em março, Jair Bolsonaro teria dito a Luis Miranda, nas palavras do deputado, que “ele comunicaria a Polícia Federal imediatamente, porque era caso de polícia, não era nem caso de investigação, de mandar para Ministério da Justiça nem PGR. Falou claramente que ia mandar para a Polícia Federal. Ele falou isso com todas as letras do alfabeto”. Até o momento, não há notícia de que o presidente da República tenha feito qualquer comunicação à PF sobre o assunto.

Luis Miranda afirma que os dois alertas foram feitos em encontros pessoais com Jair Bolsonaro: em 29 e 30 de janeiro, antes de o contrato ser assinado, como já dito, e outro em 20 de março, com o contrato já assinado, quando ele foi ao presidente acompanhado do irmão funcionário do Ministério da Saúde. Nesse mesmo dia, provavelmente antes da conversa com Jair Bolsonaro, o deputado mandou a seguinte mensagem a um assessor presidencial:

“Avise ao PR [presidente da República] que está rolando um esquema de corrupção pesado na aquisição das vacinas dentro do Ministério da Saúde. Tenho provas e as testemunhas. Sacanagem da porra… a pressão toda sobre o presidente e esses ‘FDPs’ roubando.”

A resposta do assessor foi a imagem de uma bandeira do Brasil. Uma hora depois, Luis Miranda enviou outra mensagem:

“Não esquece de avisar o presidente. Depois, não quero ninguém dizendo que eu implodi a República. Já tem PF e o caralho no caso. Ele precisa saber e se antecipar.”

Enfatize-se que o contrato, no entanto, estava assinado desde 25 de fevereiro.

A julgar pelo que escreveu o deputado, a Polícia Federal já estava investigando o caso, não se sabe se formalmente ou não, antes de Luis Miranda ir ao encontro de Jair Bolsonaro em março. Se isso for verdade, não está excluída a possibilidade de que, mais do que não avisar a PF do caso, o presidente da República possa ter dado ordem contrária — ou seja, para que a Polícia Federal, “a sua PF”,  parasse com qualquer investigação sobre o contrato com o laboratório indiano. Nessa hipótese, o crime seria bem maior do que o de prevaricação.

A CPI da Covid precisa prestar atenção a essa cronologia revelada por Luis Miranda (e também ao real papel do deputado na história). O fato gravíssimo precisa ser minuciosamente investigado.

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